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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

MEMÓRIA: Evocação de António Louro Carrilho nos 20 anos da sua morte (2012)

 

Já era tempo do home(m) / Já era tempo também / De dar pão a quem tem fome /Trabalho a quem o não tem. (1)
Domingo, 11 de Janeiro de 1992. Évora, cidade, acordara com um manto frio de neblina a inundar-lhe os poros. Em Nisa, no extremo norte do Alentejo, decorria a 1ª Feira do Mel.
É aqui, na plena agitação de um dia de feira que a notícia surge, a um tempo, seca, brutal e inesperada: morreu o António Louro Carrilho!
Um trágico acidente de viação roubara, em segundos, a vida de um jovem professor universitário, culto, determinado, irreverente, nascido em Salavessa (Nisa).
Lembro-me como se fosse ontem do impacto que a notícia causou, a tristeza e a comoção, a revolta e indignação por uma despedida da vida tão precoce como injusta.
O António Louro Carrilho não era uma pessoa qualquer. Aos 37 anos, percorrera, já, um longo e penoso caminho, cheio de obstáculos que ele ia torneando com a simplicidade e o voluntarismo, a mestria e a determinação de quem sabia que a felicidade tinha que ser conquistada.
De origem simples, rural, cedo compreendeu o esforço dos pais, emigrantes, para lhe darem uma vida melhor. Estudou no liceu em Castelo Branco, onde a sua presença, não passou despercebida, antes pelo contrário. Soube granjear amigos sem nunca se despojar das suas convicções. Na década de 70, em pleno período revolucionário, torna-se na voz e imagem das reivindicações estudantis na cidade albicastrense. As suas vindas à aldeia natal e a Nisa são sempre pretexto para intermináveis discussões sobre os "caminhos da Revolução". Adepto da "Revolução Cultural" chinesa e das ideias maoístas, António Carrilho, de longas barbas e cabelo revolto é a imagem inacabada do Che, com um poder de argumentação sempre vivo e acutilante. Não desprezava, antes estimulava, uma boa discussão, quando os interlocutores se lhe mostravam à altura.
A pretensa dureza e rigidez do seu discurso, escondiam o homem e futuro universitário que através do estudo da filosofia e da pedagogia iria debruçar-se como lema de vida, nas questões centrais da liberdade, da razão e da existência.
O revolucionário dogmático deu lugar ao militante do espírito, da compreensão do mundo, do humanismo, numa abordagem multidisciplinar e plural que nunca abandonou.
Frequenta a Universidade de Coimbra onde conclui a licenciatura em Filosofia (1979) e mais tarde (1988) o Mestrado com uma tese "Filosofia e pedagogia no pensamento de Delfim Santos" que obteve a classificação de Muito Bom. A Universidade de Évora acolhe-o como professor assistente e desde logo o seu espírito trabalhador e metódico é notado, tendo iniciado uma carreira académica plena de sucesso.
O seu talento de investigador é premiado como bolseiro da Gulbenkian tendo efectuado diversos trabalhos de investigação na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica).
Dessa estadia em Louvaina, Mário Mesquita oferece-nos, num breve relato, alguns aspectos da personalidade de António Louro Carrilho, seu companheiro de investigação.
"O que me surpreendia no António era a forma exemplar como conjugava a disciplina no trabalho académico com as outras mil e uma questões a que dedicava atenção e interesse: desde o desporto (jogou futebol na terceira divisão) à apicultura… Era bem curiosa a forma ágil como mudava do registo exigente da reflexão inerente ao seu trabalho universitário para o não menos exigente discurso acerca das pequenas questões do quotidiano … ".
António Louro Carrilho não esgota as suas preocupações unicamente no trabalho universitário. A filosofia e o fenómeno da comunicação levam-no a publicar livros sobre Antero, Régio, Delfim Santos e Sartre e a produzir diversos artigos tanto em revistas da especialidade como a "Vértice" ou a "Economia e Sociologia", como em jornais, desde "O Giraldo" ao "Ecos do Sor" e à revista cultural de Portalegre "A Cidade".
Na área da Pedagogia publica "A formação de professores na Universidade de Évora" na Revista Portuguesa de Pedagogia e "Quem tem medo da Filosofia no ensino secundário" n´O Jornal da Educação – Suplemento do Jornal de Letras.
António Louro Carrilho preparava o doutoramento com um trabalho de investigação sobre "Filosofia, Comunicação e Pedagogia – Por uma Pedagogia de Relação Interlocutiva".
Muito apegado à sua aldeia, Salavessa, António Carrilho dedicava-se à apicultura, pretexto para as constantes visitas que fazia ao concelho de Nisa e na quais aproveitava não só para os trabalhos com as abelhas e as colmeias, mas para se embrenhar e participar como cidadão activo e empenhado nos problemas da sua terra.
Do seu esforço persistente e recolha sobre a obra do poeta popular José António Vitorino – o Ti Zé do Santo - nasceu o livro "Terra Pousia", e nele escreveu António Carrilho, no prefácio:
"A cultura popular é a mais simples, a mais pura, a mais verdadeira, porque nasce de uma relação espontânea do homem com a natureza, a vida e a sociedade. Não está contaminada pelas vontades dos barões da crítica, não é forjada segundo o estilo das bigornas dos catedráticos, não se passeia pelos salões das academias".
E remata, como falando de si próprio: "Faz-se com a mesma humildade, empenho e vigor com que o homem agarrado à rabiça do arado, rasga a terra pousia para nela lançar as sementes geradoras do pão de cada dia".
António Louro Carrilho era um homem frontal e solidário, um professor que prestigiou com o seu trabalho, a Universidade. Um cidadão comprometido com os problemas da sua terra, da sua região e do seu país. O concelho de Nisa perdeu, há vinte anos, um filho e um professor de mérito, cuja memória aqui evocamos e que vai perdurar pelos tempos fora.
(1) – Vitorino, José António – in "Terra Pousia" - 1996

António Louro Carrilho – A Obra
Filosofia
1"Sartre – a liberdade e o indivíduo como imperativos éticos" – Ecos do Sor – 12/5/1980
2 – "Coordenadas filosóficas no pensamento de José Régio" – A Cidade – Outubro de 1984
3 "Antero do Quental e o Socialismo – Subsídios para a compreensão do seu pensamento político" – Edição de Autor – Évora, 1985
4 – "A técnica sob a alçada da teoria crítica em Jurgen Habermas" – Economia e Sociologia – Évora – nº 41 – 1986
5"O problema da liberdade na filosofia de Sartre" – Economia e Sociologia – Évora nº 47 – 1989
6 – "Delfim Santos e a filosofia portuguesa" – Vértice – Lisboa, II Série nº 12 – 1989
7" Je zappe donc je suis ou a televisão na afirmação do eu pela via do telecomando" – Vértice, Lisboa, II Série, nº 47 – 1992
Educação
8 – "A formação de professores na Universidade de Évora" – Revista Portuguesa de Pedagogia – Coimbra, 1984
9 - "A formação de professores na Universidade de Évora" – Informação Interna – U. Évora – 15 Fevereiro 1985
10 – "O estudo epistemológico da pedagogia em Delfim Santos" – revista Portuguesa de Pedagogia – Coimbra, 1988.
11" Quem tem medo da filosofia no ensino secundário?" (1) – "O Giraldo" – Évora – 9/3/1988
12 –" Quem tem medo da filosofia no ensino secundário?" (2) – "O Giraldo" – Évora – 24/3/1988
13" Quem tem medo da filosofia no ensino secundário?" (1) – O Jornal da Educação – Supl. Nº 2 ao JL - Jornal de Letras – 26 de Março a 4 de Abril de 1988

Mário Mendes in  À Flor da Pele - "Alto Alentejo" - 18/1/2012

domingo, 27 de dezembro de 2020

MEMÓRIA: O Natal na vila de Montalvão

Logo em Setembro e Outubro já a maioria das crianças andava alvoroçada com a perspectiva das festas do Natal que não demorariam a chegar. Eram os primeiros a lembrar-se dessa quadra festiva. Por isso, era motivo de “superioridade” dizer aos outros que já tinha duas ou três fachas (pequenos molhos de troncos herbáceos secos de cerca de 1 metro de altura, de uma planta a que chamavam “gamão” e que serviriam de tochas na noite do Menino Jesus).
O tempo decorria, as colecções de fachas iam aumentando, aumentando também a vaidade de ter um maior número daqueles molhos; as prendas do Menino Jesus não interessavam por agora. O entusiasmo aumentava sempre até à chegada da Noite Santa.
Na véspera do Dia festivo, e na generalidade, as famílias atarefavam-se nos preparativos da Consoada: as senhoras, em casa, preparavam os ingredientes para os fritos que, à noite, depois da ceia (jantar) iriam acabar, enquanto os homens iam à procura de um tronco para a lareira.
À volta do lume onde já ardia o enorme tronco (que devia continuar aceso até ao Ano Novo) procedia-se ao resto da confecção e fritura das filhós e azevias (por vezes argolas doces) enquanto o pai, a um canto da lareira, lia o jornal e ia provando de tudo um pouco alheando-se da azáfama que existia à sua volta.
Na rua, as crianças davam largas à sua alegria queimando, finalmente, os archotes (fachas) que, com tanto carinho e alvoroço juntaram para iluminarem o Deus Menino. Ao mesmo tempo grupos de rapazes da mesma idade (quintos) passeavam pelas ruas e entravam em casa de alguns deles para comerem os fritos que, normalmente, todas as famílias faziam, excepto as pessoas enlutadas que, por esse motivo, eram presenteadas no dia de Natal por pessoas das suas relações.
Queimados os archotes (fachas) as crianças iam para casa e sentavam-se também à lareira. A certa altura caiam no chão da cozinha rebuçados e vários frutos secos “lançados pelo Deus Menino” que por ali passava. O rebuliço das crianças era grande tentando, cada uma, apanhar o maior número possível daquelas guloseimas. Os mais crescidos segredavam então aos mais novos que não fora o Menino Jesus mas sim o pai que atirava aquelas coisas ao ar.
Ao aproximar-se a meia-noite todos se dirigiam à Igreja para ver o presépio, assistir à Missa do Galo e beijar o Menino. Regressados a casa havia café para todos, filhós e azevias ou ainda carne de porco frita. Na hora de deitar, os pequenos não se esqueciam de pôr o sapatinho perto da chaminé na esperança de que o Menino ali deixasse algum presente. No dia de Natal, manhã cedo, os meninos corriam para a lareira para ver se, no sapatinho, sempre havia alguma lembrança deixada pelo Menino. Depois, chegada a hora, todos se dirigiam para a Igreja e assistiam à Santa Missa.
Na última noite do ano grupos de raparigas lançavam borrifos de água nas portas das casas e, atirando farinha para cima diziam: “Bons Anos vos dê Deus!”. Do interior das casas alguém respondia: “Obrigado!”.
Dia de Ano Novo, à saída da Santa Missa, mulheres com açafates cheios de filhós ofereciam-nas a quem quisesse cumprindo, assim, alguma sacra promessa.
Estas descrições reportam-se aos anos 30/40 do séc. XX vividas nestes termos pelo narrador.

Évora, Dezembro de 2010
Anselmo de Matos Lopes in "Brados do Alentejo"

OPINIÃO: Uma vitória do centralismo

É um sinal perigoso aquele que nos chega de Bruxelas, relativamente ao orçamento da União Europeia para o período 2028/2032. Sobretudo no ca...