segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

AMIEIRA DO TEJO: Centenário do nascimento de João Vieira Pereira

Morreu um homem bom *
Deve ter morrido feliz e de consciência tranquila. Fez bem sem olhar a quem, guiou-se pelos princípios mais simples e valorosos que um homem pode ter.
Um Homem com H maiúsculo. Se quiséssemos escolher um cidadão exemplar, amigo de todos, especialmente dos mais modestos, não teríamos dúvidas em eleger do Dr. João Vieira Pereira.
Viveu quase 85 anos, com uma juventude imbatível, com uma força de viver inigualável, com uma amizade pelos outros, transbordante, como uma actividade incansável.
Há muito que o tínhamos por amigo e em momentos recentes que passámos por provações difíceis, tivemos sempre dele uma visita oportuna, uma palavra amiga.
As palavras e as homenagens, muitas delas de circunstância não alterarão a imagem e a gratidão de todos os que o conheceram, que privaram com ele, que foram seus doentes e amigos.
Pena foi que em vida não tenha sido consagrado ao mais alto nível pela sua dedicação à comunidade, mas isso não lhe fará incómodo, porque muitos dos que são agraciados nessas circunstâncias, não merecem nem de perto aquilo que ele é credor.
Não temos mais palavras para testemunhar a nossa gratidão, porque a comoção ao escrevê-las nos impede de continuar.
Para nós, a vida vale a pena pelo facto de termos conhecido o Dr. João Vieira Pereira e alguns como ele, que são verdadeiros amigos, que sabem comungar o sofrimento e as alegrias de forma perene.
Obrigado Dr. João Vieira Pereira.
JLAS
* Texto publicado em 1993 na “Gazeta das Caldas” por ocasião do falecimento do médico amieirense.

MEMÓRIA: Evocação de António Louro Carrilho nos 20 anos da sua morte (2012)

 

Já era tempo do home(m) / Já era tempo também / De dar pão a quem tem fome /Trabalho a quem o não tem. (1)
Domingo, 11 de Janeiro de 1992. Évora, cidade, acordara com um manto frio de neblina a inundar-lhe os poros. Em Nisa, no extremo norte do Alentejo, decorria a 1ª Feira do Mel.
É aqui, na plena agitação de um dia de feira que a notícia surge, a um tempo, seca, brutal e inesperada: morreu o António Louro Carrilho!
Um trágico acidente de viação roubara, em segundos, a vida de um jovem professor universitário, culto, determinado, irreverente, nascido em Salavessa (Nisa).
Lembro-me como se fosse ontem do impacto que a notícia causou, a tristeza e a comoção, a revolta e indignação por uma despedida da vida tão precoce como injusta.
O António Louro Carrilho não era uma pessoa qualquer. Aos 37 anos, percorrera, já, um longo e penoso caminho, cheio de obstáculos que ele ia torneando com a simplicidade e o voluntarismo, a mestria e a determinação de quem sabia que a felicidade tinha que ser conquistada.
De origem simples, rural, cedo compreendeu o esforço dos pais, emigrantes, para lhe darem uma vida melhor. Estudou no liceu em Castelo Branco, onde a sua presença, não passou despercebida, antes pelo contrário. Soube granjear amigos sem nunca se despojar das suas convicções. Na década de 70, em pleno período revolucionário, torna-se na voz e imagem das reivindicações estudantis na cidade albicastrense. As suas vindas à aldeia natal e a Nisa são sempre pretexto para intermináveis discussões sobre os "caminhos da Revolução". Adepto da "Revolução Cultural" chinesa e das ideias maoístas, António Carrilho, de longas barbas e cabelo revolto é a imagem inacabada do Che, com um poder de argumentação sempre vivo e acutilante. Não desprezava, antes estimulava, uma boa discussão, quando os interlocutores se lhe mostravam à altura.
A pretensa dureza e rigidez do seu discurso, escondiam o homem e futuro universitário que através do estudo da filosofia e da pedagogia iria debruçar-se como lema de vida, nas questões centrais da liberdade, da razão e da existência.
O revolucionário dogmático deu lugar ao militante do espírito, da compreensão do mundo, do humanismo, numa abordagem multidisciplinar e plural que nunca abandonou.
Frequenta a Universidade de Coimbra onde conclui a licenciatura em Filosofia (1979) e mais tarde (1988) o Mestrado com uma tese "Filosofia e pedagogia no pensamento de Delfim Santos" que obteve a classificação de Muito Bom. A Universidade de Évora acolhe-o como professor assistente e desde logo o seu espírito trabalhador e metódico é notado, tendo iniciado uma carreira académica plena de sucesso.
O seu talento de investigador é premiado como bolseiro da Gulbenkian tendo efectuado diversos trabalhos de investigação na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica).
Dessa estadia em Louvaina, Mário Mesquita oferece-nos, num breve relato, alguns aspectos da personalidade de António Louro Carrilho, seu companheiro de investigação.
"O que me surpreendia no António era a forma exemplar como conjugava a disciplina no trabalho académico com as outras mil e uma questões a que dedicava atenção e interesse: desde o desporto (jogou futebol na terceira divisão) à apicultura… Era bem curiosa a forma ágil como mudava do registo exigente da reflexão inerente ao seu trabalho universitário para o não menos exigente discurso acerca das pequenas questões do quotidiano … ".
António Louro Carrilho não esgota as suas preocupações unicamente no trabalho universitário. A filosofia e o fenómeno da comunicação levam-no a publicar livros sobre Antero, Régio, Delfim Santos e Sartre e a produzir diversos artigos tanto em revistas da especialidade como a "Vértice" ou a "Economia e Sociologia", como em jornais, desde "O Giraldo" ao "Ecos do Sor" e à revista cultural de Portalegre "A Cidade".
Na área da Pedagogia publica "A formação de professores na Universidade de Évora" na Revista Portuguesa de Pedagogia e "Quem tem medo da Filosofia no ensino secundário" n´O Jornal da Educação – Suplemento do Jornal de Letras.
António Louro Carrilho preparava o doutoramento com um trabalho de investigação sobre "Filosofia, Comunicação e Pedagogia – Por uma Pedagogia de Relação Interlocutiva".
Muito apegado à sua aldeia, Salavessa, António Carrilho dedicava-se à apicultura, pretexto para as constantes visitas que fazia ao concelho de Nisa e na quais aproveitava não só para os trabalhos com as abelhas e as colmeias, mas para se embrenhar e participar como cidadão activo e empenhado nos problemas da sua terra.
Do seu esforço persistente e recolha sobre a obra do poeta popular José António Vitorino – o Ti Zé do Santo - nasceu o livro "Terra Pousia", e nele escreveu António Carrilho, no prefácio:
"A cultura popular é a mais simples, a mais pura, a mais verdadeira, porque nasce de uma relação espontânea do homem com a natureza, a vida e a sociedade. Não está contaminada pelas vontades dos barões da crítica, não é forjada segundo o estilo das bigornas dos catedráticos, não se passeia pelos salões das academias".
E remata, como falando de si próprio: "Faz-se com a mesma humildade, empenho e vigor com que o homem agarrado à rabiça do arado, rasga a terra pousia para nela lançar as sementes geradoras do pão de cada dia".
António Louro Carrilho era um homem frontal e solidário, um professor que prestigiou com o seu trabalho, a Universidade. Um cidadão comprometido com os problemas da sua terra, da sua região e do seu país. O concelho de Nisa perdeu, há vinte anos, um filho e um professor de mérito, cuja memória aqui evocamos e que vai perdurar pelos tempos fora.
(1) – Vitorino, José António – in "Terra Pousia" - 1996

António Louro Carrilho – A Obra
Filosofia
1"Sartre – a liberdade e o indivíduo como imperativos éticos" – Ecos do Sor – 12/5/1980
2 – "Coordenadas filosóficas no pensamento de José Régio" – A Cidade – Outubro de 1984
3 "Antero do Quental e o Socialismo – Subsídios para a compreensão do seu pensamento político" – Edição de Autor – Évora, 1985
4 – "A técnica sob a alçada da teoria crítica em Jurgen Habermas" – Economia e Sociologia – Évora – nº 41 – 1986
5"O problema da liberdade na filosofia de Sartre" – Economia e Sociologia – Évora nº 47 – 1989
6 – "Delfim Santos e a filosofia portuguesa" – Vértice – Lisboa, II Série nº 12 – 1989
7" Je zappe donc je suis ou a televisão na afirmação do eu pela via do telecomando" – Vértice, Lisboa, II Série, nº 47 – 1992
Educação
8 – "A formação de professores na Universidade de Évora" – Revista Portuguesa de Pedagogia – Coimbra, 1984
9 - "A formação de professores na Universidade de Évora" – Informação Interna – U. Évora – 15 Fevereiro 1985
10 – "O estudo epistemológico da pedagogia em Delfim Santos" – revista Portuguesa de Pedagogia – Coimbra, 1988.
11" Quem tem medo da filosofia no ensino secundário?" (1) – "O Giraldo" – Évora – 9/3/1988
12 –" Quem tem medo da filosofia no ensino secundário?" (2) – "O Giraldo" – Évora – 24/3/1988
13" Quem tem medo da filosofia no ensino secundário?" (1) – O Jornal da Educação – Supl. Nº 2 ao JL - Jornal de Letras – 26 de Março a 4 de Abril de 1988

Mário Mendes in  À Flor da Pele - "Alto Alentejo" - 18/1/2012

domingo, 27 de dezembro de 2020

MEMÓRIA: O Natal na vila de Montalvão

Logo em Setembro e Outubro já a maioria das crianças andava alvoroçada com a perspectiva das festas do Natal que não demorariam a chegar. Eram os primeiros a lembrar-se dessa quadra festiva. Por isso, era motivo de “superioridade” dizer aos outros que já tinha duas ou três fachas (pequenos molhos de troncos herbáceos secos de cerca de 1 metro de altura, de uma planta a que chamavam “gamão” e que serviriam de tochas na noite do Menino Jesus).
O tempo decorria, as colecções de fachas iam aumentando, aumentando também a vaidade de ter um maior número daqueles molhos; as prendas do Menino Jesus não interessavam por agora. O entusiasmo aumentava sempre até à chegada da Noite Santa.
Na véspera do Dia festivo, e na generalidade, as famílias atarefavam-se nos preparativos da Consoada: as senhoras, em casa, preparavam os ingredientes para os fritos que, à noite, depois da ceia (jantar) iriam acabar, enquanto os homens iam à procura de um tronco para a lareira.
À volta do lume onde já ardia o enorme tronco (que devia continuar aceso até ao Ano Novo) procedia-se ao resto da confecção e fritura das filhós e azevias (por vezes argolas doces) enquanto o pai, a um canto da lareira, lia o jornal e ia provando de tudo um pouco alheando-se da azáfama que existia à sua volta.
Na rua, as crianças davam largas à sua alegria queimando, finalmente, os archotes (fachas) que, com tanto carinho e alvoroço juntaram para iluminarem o Deus Menino. Ao mesmo tempo grupos de rapazes da mesma idade (quintos) passeavam pelas ruas e entravam em casa de alguns deles para comerem os fritos que, normalmente, todas as famílias faziam, excepto as pessoas enlutadas que, por esse motivo, eram presenteadas no dia de Natal por pessoas das suas relações.
Queimados os archotes (fachas) as crianças iam para casa e sentavam-se também à lareira. A certa altura caiam no chão da cozinha rebuçados e vários frutos secos “lançados pelo Deus Menino” que por ali passava. O rebuliço das crianças era grande tentando, cada uma, apanhar o maior número possível daquelas guloseimas. Os mais crescidos segredavam então aos mais novos que não fora o Menino Jesus mas sim o pai que atirava aquelas coisas ao ar.
Ao aproximar-se a meia-noite todos se dirigiam à Igreja para ver o presépio, assistir à Missa do Galo e beijar o Menino. Regressados a casa havia café para todos, filhós e azevias ou ainda carne de porco frita. Na hora de deitar, os pequenos não se esqueciam de pôr o sapatinho perto da chaminé na esperança de que o Menino ali deixasse algum presente. No dia de Natal, manhã cedo, os meninos corriam para a lareira para ver se, no sapatinho, sempre havia alguma lembrança deixada pelo Menino. Depois, chegada a hora, todos se dirigiam para a Igreja e assistiam à Santa Missa.
Na última noite do ano grupos de raparigas lançavam borrifos de água nas portas das casas e, atirando farinha para cima diziam: “Bons Anos vos dê Deus!”. Do interior das casas alguém respondia: “Obrigado!”.
Dia de Ano Novo, à saída da Santa Missa, mulheres com açafates cheios de filhós ofereciam-nas a quem quisesse cumprindo, assim, alguma sacra promessa.
Estas descrições reportam-se aos anos 30/40 do séc. XX vividas nestes termos pelo narrador.

Évora, Dezembro de 2010
Anselmo de Matos Lopes in "Brados do Alentejo"

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

AS CRÓNICAS DO CONIXA (I): O menino que desafiou o tempo

Quando nasce uma criança, é uma alegria para os pais que pensam logo no seu enxoval, no nome que lhe hão-de dar e na sua alimentação para que não lhe falte nada.
A crianças cresce, cobrindo-se de brinquedos, ao contrário de antigamente pois ninguém se preocupava com a segurança dos mesmos, porque nem todos possuíam este privilégio.
Naquele tempo ainda havia ricos e pobres, pois Nisa e o Alentejo eram de meia dúzia de senhores em que os pobres não tinham acesso à saúde, não podiam comer uma refeição equilibrada e os filhos não tinham brinquedos. Era o dinheiro que estava mal dividido. 
Hoje, as crianças mal nascem já têm computadores e jogos electrónicos, transformando-se em peritos da tecnologia moderna, não esquecendo que são esses jogos que desenvolvem a inteligência, embora haja muitas crianças que são vítimas de certas doenças ocasionadas pelo uso intensivo desses mecanismos e pelo stress dos jogos de computador.
Outro aspecto maléfico e pernicioso do uso, indevido, dos computadores, tem a ver com o facto de muitas crianças, guiadas pela curiosidade e sem nenhum controlo ou vigilância, caírem no abismo da pornografia infantil, sem que os pais, tantas vezes, se dêem conta do perigo a que estão expostas os seus filhos.
Eu brincava com cascas de laranja e com tudo o que me parecia adequado e era, assim, uma criança feliz, tal como todas as crianças pobres. A entrada na escola marcou-me, por ver os pais dos outros meninos, levá-los à escola no primeiro dia de aulas, pois a minha mãe andava na “féga” (colheita da azeitona).
Lembro-me bem. Ainda não tinha sete anos, naquele dia 7 de Outubro de 1955, em que o frio de Outono já se fazia sentir, anunciando a chegada do Inverno, mais rigoroso. E lá ia eu, de pé descalço, com uma saca de sarapilheira na cabeça, servindo de impermeável para me abrigar da chuva.
Eu não tinha mala da escola, era um saco de farrapos, feito por minha mãe, no qual transportava a pedra e o lápis. Os livros foram-me fornecidos por intermédio da Caixa Escolar e a refeição do meio-dia era oferecida pela Cantina Escolar da Fundação Lopes Tavares. Deus tenha em bom descanso, o senhor Dom António!
Neste quatro anos de escola aprendi muito. Aliás, aprendi tudo, porque os meus pais e os demais não tinham meios para nós irmos mais longe.
Estou contente, por estar ainda cá e ter acontecido o que aconteceu, de aprender o que aprendi e de poder seguir de perto a evolução da minha terra e do meu país.
Naquele tempo, em certos lares pobres, dividia-se uma sardinha em três; o trabalho era árduo e escasso e os nossos pais, muitos deles foram obrigados a dizer: basta!
Não estavam dispostos a comer mais pão do que o diabo amassou e emigraram para Lisboa e suas redondezas. Nessa época já em Nisa se começava a sentir alguma evolução, com a construção do Hospital, Tribunal, Casa do Povo e outras repartições de interesse público, muito embora não houvesse liberdade.
A Praça da República, o nosso Rossio era o centro do mundo, o palco de feiras e mercados, onde os carrocéis  e os circos que por lá passavam faziam vibrar a garotada.
Nessa altura, ainda me lembro e hoje, aqui, presto a minha homenagem ao fundador do Rancho Típico das Cantarinhas de Nisa, o senhor Rodrigues Correia, um nisense de acolhimento que deixou descendentes nascidos em Nisa e foi director do Teatro Moiron, um teatro desmontável que permaneceu cerca de um ano nesta mesma praça, onde ele e toda a sua família faziam o elenco das peças teatrais como a “Rosa do Adro”, a D. Inês de Castro, As Pupilas do Senhor Reitor, Zé do Telhado, entre outros dramas ou comédias que fizeram palpitar o coração dos nisenses.
Pouco tempo depois rebentou a Guerra do Ultramar e na idade propícia também não pude fugir às obrigações militares que me conduziram até Angola. Ao mesmo tempo começava também a emigração clandestina para França e Alemanha. Foi um tempo difícil, de luta, de muitos sonhos e esperanças que levaram para fora da nossa terra, mais de um terço da população do concelho de Nisa.
Abandonaram o rincão que os viu nascer e abalaram à procura de uma vida melhor noutras paragens. Eu acabei, mais tarde, por arriscar, numa aventura que foi boa, por um lado e má, por outro.
Consegui, fora do meu país, aquilo que, talvez, não conseguisse em Portugal. Teve custos, é certo, o mais doloroso é ter um filho e uma filha casados com cidadãos franceses, que me deram três netos. É como se estivesse com o coração “cortado ao meio”, dividido, entre a terra onde nasci, as minhas raízes, e a terra que tão bem me acolheu e onde despontam, também, novas e promissoras raízes.
O meu dilema é entre voltar e desfrutar a liberdade que o 25 de Abril nos deu ou ficar e acompanhar aqueles que me são mais queridos.
Num e noutro lado, é o desenvolvimento da Europa que está em jogo. A vida, está sempre connosco: quando perdemos, quando vencemos e quando caímos e nos voltamos a erguer. Somos pessoas, somos humanos!
Não se deve condenar ninguém sem a mesma ser julgada e enquanto tal não acontecer a mesma pessoa será sempre inocente.
A bondade só se descobre na idade adulta. É por isso que aconselho e alerto para situações que me parecem inaceitáveis e em que a gravidade dos factos ainda passam despercebida para alguns pais e para muitos munícipes, fazendo de conta que tudo corre bem e na realidade não é assim.
· “Muitos homens nascem cegos e só se apercebem no dia em que uma boa verdade lhes fura os olhos” – Jean Cocteau (1889- 1963)
· “Quando já não há remédio, há ainda esperança” – Jean Pierre Ribes, 1946)

* António Mourato (Conixa) - "Jornal de Nisa" nº 249 - Janeiro de 2008

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

NISA: Património do Concelho (I) - A Igreja Matriz de Montalvão

 


- Orago da freguesia: Nª Srª da Graça
A Matriz é um belo templo seiscentista construído na segunda metade do séc. XVI, em 1568, e reformado na primeira metade do séc. XIX, justamente em 1823.
Quer dizer que a construção inicial e a reforma do templo foram levadas a efeito num intervalo de 255 anos sendo do último período as duas torres que ladeiam a fachada principal.
O pórtico do frontispício é gótico com três arcos reintrantes, rematando com um tímpano triangular, tudo esculpido em granito. A porta lateral é também em estilo gótico mais simples.
O edifício no interior tem três naves com quatro tramos (5 com os do coro), delimitados por colunas cilíndricas de granito, sobre as quais assentam arcadas que suportam o tecto de madeira. A abóbada da capela-mor é toda ela em rectângulos de feição seiscentista, certamente a primitiva.
Dos 7 altares - três dos quais em boa talha ( o altar-mor e os dois colaterais) - três são dedicados à Mãe de Deus, a saber: o de Nossa Senhora da Graça, cuja imagem é venerada no trono do altar-mor, o de Nossa Senhora da Soledade, mandado edificar em 1763 por uma família devota e o de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, todos eles com as imagens da respectiva invocação.
* in "Culto Marial na Diocese de Portalegre - Castelo Branco 
- Cónego António Franco Infante

* Encerramento das Comemorações dos 500 anos do Foral - 8/1/2012
Foto: Jorge Nunes

NISA: Os Poetas do Concelho (1) - Maria Dinis Pereira

 


A CASA DA FESTA
A Catrina vai-se casá
Cô o filhe do ti Quetém
Da tá Jaquina dos Tramoces
Uma família de bem.
************

Que bunita casa da festa
C´a minha Catrina tinha
Tinha péssas damarelos
Uma bunita casa tinha.
****************

Agora vai vandé tude
Qué comprá uma cozinha
Um inxoval tã bunito
C´a minha Catrina tinha...
*************

Ela fés o  inxoval
Que bunitas mãs ela tem
Casou cô um home bom
É filhe do ti Quetem
*************

Ainda sã da famila
Daqueles dos Serra Osses
É filha da tá Jaquina
Da c´anda a vandé tramoces.
***************

Ela fés cobertores de faxa
E cobertores bordados
Fés uma coberta de renda
A cama grave e os panos d´alinhavados.
*****************

A minha filha foi bem
Cum gente trabalhadora
Nom se mêti na vida dela
Qu´aí vai ser uma pôrra.
****************
Maria Dinis Pereira 
 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

HUMOR EM TEMPO DE CÓLERA (1)

 

Plano de vacinação |cartoon editorial da revista Sábado - Vasco Gargalo

O DISTRITO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA (I) - A questão do Urânio

Requerimento do deputado Miranda Calha
Requerimento
Considerando que a chamada batalha da produção deve implicar todo o País de uma maneira equilibrada que efectivamente dinamize e desenvolva a província;
Considerando que há zonas deste país com potencialidades tais que o seu desenvolvimento seria um bem para as respectivas regiões;
Considerando que dentro das considerações feitas as minas de urânio no concelho de Nisa, distrito de Portalegre, poderiam não só ajudar o referido desenvolvimento e por outro lado criar postos de trabalho de que necessitamos:
Tenho a honra de requerer, na minha qualidade de Deputado, aos órgãos competentes do Governo que me sejam fornecidos todos os elementos que possam ser tomados em conta numa análise das medidas que foram e ou vão ser tomadas, especialmente a curto prazo, no campo da política energética. Os elementos a fornecer pela entidade competente irão servir de análise em relação ao distrito e nos trabalhos referentes à elaboração da Constituição.
Júlio Francisco Miranda Calha (PS) -18/3/1976

domingo, 13 de dezembro de 2020

MONTALVÃO: Comemorações dos 500 anos do Foral - 8/1/2012

 







Fotos: Mário Mendes

MONTALVÃO: 500 anos do Foral

2012 é ano de comemorações dos 500 anos dos Forais de Nisa e de Montalvão. No caso de Montalvão, o processo de comemorações a realizar no próximo ano foi já iniciado através de duas associações daquela freguesia que marcaram para sábado, dia 25, sessões de esclarecimento, procurando envolver a população nas celebrações de tão importante acontecimento.
Assim, por iniciativa da Associação Salavessa Viva realiza-se uma sessão pelas 15 horas, no edifício da ex-Escola Primária em Salavessa.
Mais tarde, pelas 17,30 h na antiga Escola de Montalvão, organizada pela Associação Vamos à Vila terá lugar nova reunião, tendo por objectivo elucidar a população sobre a importância do documento, assinado em 1512 pelo rei D. Manuel I.
Ambas as sessões (em Salavessa e Montalvão) serão conduzidas por Carla Sequeira do Museu do Bordado e do Barro de Nisa.
A Carta de Foral de Montalvão foi concedida pelo rei D. Manuel I em 22 de Novembro de 1512, reconhecendo, assim, a importância desta vila.

"Portal de Nisa" - 25/6/2011


sábado, 12 de dezembro de 2020

AMIEIRA DO TEJO - Poesia - Dia da Mãe

 

AMOR DE MÃE

Amor de Mãe,
Sentimento tão puro e verdadeiro
Esse amor que nos ensina a viver
E nos ajuda a crescer!
O amor de Mãe atravessa fronteiras
Vence todas as barreiras!

Amor de Mãe
Esse amor tão grande
Que te faz sorrir, amara e chorar

Mãe
Se tantas vezes me dizes “Não”
É porque tens sempre razão
Se me dizes “Sim”
É por saberes sempre
O melhor para mim

Mãe, quando me olhas e sorris
Tens tanto para me dizer
O teu olhar terno e sorriso doce
Transbordam de “Amor de Mãe”
E, acredita Mãe, que me faz tão tem!

Se estou doente e triste
As tuas palavras curam-me as feridas
Os teus beijos e abraços
Atenuam a minha dor
E só tu consegues isso.

Com o teu “Amor de Mãe”
Amor esse tão forte e pioneiro
De entre todos, o primeiro
O maior e melhor do mundo inteiro.

Por tudo isto e muito mais
Já vale a pena viver
Nem que seja só para sentir
O teu amor de mãe.

* Dedico a todas as Mães, às mães biológicas, às mães do coração e em especial à minha querida Mãe.
Ana Paula M. N. Conceição Horta - 15/5/2008

OPINIÃO: "Lembras-te do Zé da Silva?"

Foi com esta pergunta que um amigo me abordou, há dias.
O Zé da Silva? Claro que me lembrava do Zé da Silva.
A memória recuou, dez, vinte, trinta anos e lá estávamos nós em Montalvão, na Salavessa, em Nisa, em todas as terras do concelho e outras do distrito, nos tempos de utopia e criação revolucionária, que se seguiram ao 25 de Abril.
O José da Silva Costa no auge da irreverência dos seus 18 anos, cabeleira loura, espessa e longa, "à beatle", queria, tal como todos nós, "mudar o mundo", fazer a revolução socialista, expressa em palavras de ordem como " a terra a quem a trabalha" e tantas outras.
A dureza do trabalho nos campos e a magreza dos salários do trabalhador rural, a emigração para França, a guerra colonial, era a realidade de uma terra, a sua, onde se ouviam histórias intermináveis, sobre a odisseia do contrabando, os relatos dramáticos da guerra civil espanhola, com o ribombar dos canhões, a ouvirem-se, ali bem perto, do outro lado do Sever, a perseguição e o exílio dos republicanos, dos "rojos", muitos deles acolhidos nas povoações da raia.
Não foi, por isso, difícil, antes, natural, ao Zé da Silva, fazer a sua opção política, ainda bastante jovem e no tempo de todas as ideias e inquietações.
Um tractor, um coreto, escada ou pequena elevação onde pudesse sobressair a "voz dos oradores" tudo servia para, nesses tempos de febril agitação, falar às pessoas e tentar passar-lhes a mensagem política e incutir-lhes a ideia de participação na "coisa pública".
Sem estudos por aí além, mas já imbuído do gosto e do prazer pela leitura, o Zé da Silva, surpreendia-nos, amiúde, pelas tiradas filosóficas e pelo arrojo da argumentação, ainda que, o seu espírito militante, fosse orientado noutras direcções.
De um momento para outro, deixei de ver o Zé da Silva. Como muitos jovens deste concelho e país, não esperou para ver o futuro acontecer. Partiu, foi à procura dele. Soube que estivera nos EUA, que de quando em vez vinha a Montalvão, mas há muitos, muitos anos, que o não via.
Até que… Lembraste do Zé da Silva? Claro que lembrava. Ali estava ele, trinta anos depois, à minha frente, primeiro, na plateia dos "opositores" (o único, por sinal) ao titular da cadeira do concurso da RTP "Um contra todos".
Era ele, sem dúvida. O mesmo ar sereno, as ideias amadurecidas, a dialéctica sempre actuante e as respostas a surgirem, certeiras e precisas.
Era fácil adivinhar – conhecendo o Zé da Silva -, onde aquilo iria terminar. Vinte e seis perguntas, sem um trunfo ou uma falha, sequer. Algumas, de domínios do saber que, especialistas, provavelmente, não acertariam. Mas, o Zé da Silva, serena e desconcertantemente, assim como que a dizer que não estava ali, ia falando do seu Alentejo, das suas vivências e das suas raízes, perante a admiração, quase embevecida, do José Carlos Malato.
Foi, pois, sem surpresa, que se sentou na cadeira de concorrente e de onde, com a mesma calma e descontracção, "viajou" até à memória dos seus pais e avós, às histórias que ouvira sobre a "Raia dos Medos", e daí, com desassombro, elogiou os trabalhos para a televisão de Moita Flores, numa crítica, directa e implícita à própria RTP.
O Zé da Silva venceu o concurso. Não me perguntem, quantos mil euros, levou para casa.
Por mim, fiquei feliz, por revisitá-lo, mesmo através da televisão. Não tanto pelo dinheiro que ganhou, mas, apenas, por saber que, trinta anos depois, aquele "bichinho" que se introduziu em nós e chamado utopia, continua bem vivo.
E que, ali, perante uma imensa plateia, que é o "país televisivo", o Zé da Silva mais não fez do que ser igual a si próprio: um cidadão do mundo e alentejano da raia, do Sever, já sem fantasmas nem medos e, hoje, um traço de união.

João da Cruz - Jornal de Nisa nº 222 - Jan.2007

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Valorização do Património da Misericórdia de Arez *

Em Setembro de 2009 no I Encontro Internacional de Investigadores de História Moderna surgiu o primeiro contacto para a salvaguarda da Igreja da Misericórdia de Arez. Ponto comum entre a comunicação de Joana Pinho sobre a Arquitectura das Misericórdias quinhentistas e a tese de mestrado de Ana Leitão, estudo monográfico de Arez.
Desta dinâmica resulta a redacção deste texto como relato de boas práticas e forma de sensibilização para a preservação e valorização do património cultural das Misericórdias.
Destacando atitudes fundamentais na intervenção em património cultural: a interdisciplinaridade que assegura uma intervenção coerente, o diálogo entre técnicos e dono de obra, o envolvimento e participação da comunidade; um conhecimento académico credível que servirá de base às decisões e opções da intervenção.
Arez é actualmente uma freguesia do concelho de Nisa, com c. 56 km² e 256 habitantes. Foi vila e sede de concelho do séc. XII a 1836, comenda da Ordem de Cristo e teve foral por D. Manuel em 1517. Do seu património edificado destacam-se: Igreja Matriz e ermida de Santo António que sofreram campanhas de obras no séc. XX que alteraram significativamente as suas características. E também o edifício sede da Misericórdia de Arez composto por igreja, sacristia e outras dependências. Originalmente foi capela do Espírito Santo e com a fundação da Misericórdia de Arez em 1592 sofreu uma intervenção que se prolongou até ao séc. XVII. A planimetria, volumetria e características arquitectónicas do edifício integram-se numa corrente maneirista-chã de cariz regional. Do património móvel e integrado destacam-se o retábulo-mor, a escultura da Santíssima Trindade e as pinturas murais. As da nave, duas campanhas principais, representam retábulos fingidos seguindo modelos da retabulística nacional em madeira entalhada. Da primeira campanha fazem parte os retábulos com frontão contracurvado e colunas com capitéis coríntios, de finais do séc. XVIII. Já os retábulos de perfil neoclássico, com frontões triangulares e emblemas marianos, pertencerão a uma campanha mais recente, talvez do séc. XIX.
Neste projecto desde o início foi considerado prioritário o envolvimento das várias áreas disciplinares relacionadas com o património. Nos inícios de 2010, as duas investigadoras e Patrícia Monteiro, que desenvolve tese de doutoramento sobre pintura mural do Alto Alentejo, realizaram uma visita ao edifício. A investigação resultante de trabalhos académicos produz conhecimento, em si mesmo de inegável valor, mas que ganha nova valia ao reverter para um caso concreto, torna-se conhecimento aplicado e com impacto na comunidade.
A nível técnico foram também contactadas a Direcção Regional da Cultura do Alentejo e o Gabinete do Património Cultural da União das Misericórdias Portuguesas.
Em Junho de 2011 realizou-se nova visita ao edifício com alunos do Curso de Especialização Tecnológica em Conservação e Restauro do Instituto de Artes e Ofícios da FRESS e o professor Joaquim Caetano que, além de ter constituído motivo de estudo, teve como objectivo delinear uma estratégia para a conservação das pinturas murais existentes na igreja.
O grupo foi recebido pelo Provedor José Fazendas e outros membros da Mesa Administrativa e do diálogo resultaram três ideias fundamentais: isolar o telhado com subtelha, evitar o uso de novos revestimentos à base de cimento e conservar e restaurar as pinturas murais pois, independentemente do seu valor estético, são testemunho do gosto de uma época.
Fez-se uma sondagem na parede fundeira da capela-mor onde se detectou pintura decorativa simulando silhares de azulejo enxaquetado do séc. XVII.
O diálogo estabelecido entre promotores da obra, técnicos de conservação e restauro e historiadores da arte evidencia os bons resultados que procedimentos deste tipo proporcionam, devendo servir como exemplo a outras intervenções.
Seguidamente procurou-se sensibilizar a comunidade local para a importância do património cultural, da sua conservação e o seu envolvimento no projecto; mobilizando-se a Comissão de Festas de Arez de 2011 para a angariação de fundos que reverteram para a intervenção.
Após este processo, no verão de 2011, iniciou-se a intervenção nos telhados, rebocos e pavimentos que estará concluída no início de 2012 e definiram-se projectos futuros para o património cultural da Misericórdia de Arez: novas sondagens na capela-mor e a instalação do recuperado arquivo histórico da Misericórdia numa das dependências do edifício.
* Ana Santos Leitão, Joana Balsa de Pinho, Joaquim Caetano e Patrícia Monteiro
** Texto publicado no mensário “Voz das Misericórdias” – Dezembro 2011

O Natal e os poetas do concelho (I) - José Hilário


PRESENTES DE NATAL

Ofereço-te o meu sorriso
E o meu abraço fraternal
Peço-te Jesus, por ser preciso
Que o espírito de Natal

Além de beijos e presentes
Com ceias, cheias de iguarias
Que haja paz...Todos os dias!
E cessem as guerras pungentes

Avareza, ódio e arrogância 
São o tempero da ganância
Esta vil vida é uma contenda

Onde impera a desigualdade
Dá-lhe paz, amor e fraternidade
Não dês a miséria como prenda.
José Hilário


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

NISA: Pequenos retratos da Emigração

Este parte, aquele parte / E todos, todos se vão. / Galiza, ficas sem homens / Que possam cortar teu pão.
 – Rosália de Castro (poetisa galega)

Eu fui p´ra longe, p´ra muito longe, o que eu passei para lá chegar...
A emigração portuguesa para França, nas décadas de 60 e 70 do século passado, particularmente, a dos norte-alentejanos, em busca da esperança e de melhores condições de vida, representou uma autêntica epopeia, escrita com palavras de sofrimento, coragem e saudade. Está por fazer, ainda, o retrato dessa época em que as aldeias e vilas do Alentejo começaram a ficar desertas e a verem partir, pela calada da noite, os braços válidos e activos dos homens a quem o país negava o essencial de uma vida digna.
Falar de emigração
Nisa, três da tarde, num dia de calor sufocante. A casa, no Boqueirão, onde funcionou durante anos a delegação concelhia da Assistência Nacional aos Tuberculosos, de triste memória, serve agora de Centro de Convívio onde idosos de várias idades podem jogar às cartas, xadrez, dominó, ver televisão ou ler jornais e revistas.
Aí encontrámos um grupo de nisenses, com uma história de vida comum, a da emigração. Três deles demandaram terras de França, e são viúvos. O outro, abalou até Lisboa. Todos, à procura de uma vida melhor.
Percursos de vida que quiseram partilhar connosco e que constituem pequenas amostras da realidade social e política vivida em Portugal nos anos 60.  
Joaquim da Graça Basso, o mais velho do grupo, tem 81 anos, 22 dos quais a trabalhar em França na região de Tours.
“Fui para França em 1965 à procura de trabalho e de melhores condições de vida. Em Nisa estive até aos 35 anos, partia e fornecia pedra para as obras. A minha mulher vendia peixe. Era uma vida de sacrifício e pouco rentável, mas íamos sobrevivendo, até que começou a faltar trabalho e fui obrigado a emigrar. Estive três meses a trabalhar sem contrato, como servente. Depois as coisas compuseram-se e ganhei a minha reforma a trabalhar na construção civil.”
Joaquim Basso não gosta de recordar o que passou para chegar a França e prefere, antes, lembrar o que a vida de emigrante lhe proporcionou.
“Trabalhávamos muito e no duro, mas se não tivesse emigrado nunca poderia ter construído o prédio que tenho e ter pago os estudos ao meu filho que se formou em Medicina. Acho que os emigrantes deviam ser homenageados em Nisa, com um monumento, para que as pessoas não esqueçam o regime que tivemos e a história dos milhares de nisenses que foram obrigados a partir, uma história escrita com sangue, suor e lágrimas”.
Manuel Quintino da Silva Dinis (Manuel Comporta), com 70 anos, é o mais novo dos quatro, e talvez por isso, o que tem mais “fresco” na memória, o drama da emigração.
“Fui para França, “a salto”, clandestinamente, em1966. Trabalhava no campo e ganhava-se pouco. Segui o rumo de outros conterrâneos e do que passei para chegar a Toulouse, fiz umas quadras para registo dos mais novos. Em França trabalhei 3 anos na construção civil e mais tarde numa estação de serviço da Móbil onde passei à reforma, em 1996. Dois dos meus filhos nasceram em França, um foi de cá com mês e meio de vida. Reparto a minha vida entre França e Portugal. Venho muitas vezes a Nisa matar saudades, os meus filhos gostam da terra e também cá vêm.”
Manuel Dinis fala da França com orgulho e gratidão. 
“Deu-me trabalho, uma vida melhor e mais digna. Deu-nos a liberdade que cá não tínhamos e por isso também penso que se justifica uma homenagem aos emigrantes, aos filhos de Nisa que abalaram para França, para outros países e também para Lisboa e outras terras portuguesas. Um monumento seria de inteira justiça, pelo que nós sofremos e pelo que demos ao país.”
António Maria Marquês, 80 anos, não precisou de passaporte de turista, nem de ir “a salto” para rumar até à capital.
“Tinha 34 anos quando abalei para Lisboa. Trabalhava no campo, nem sempre havia trabalho, ganhava-se mal e era preciso sustentar a família. Trabalhei na Presmalte e na Fábrica de Fogões Portugal, na Póvoa de Santa Iria. Reformei-me aos 65 anos e regressei a Nisa. Como me sentia com forças e durante algum tempo ainda trabalhei como servente de pedreiro.”
Gosta de passar a tarde no Centro de Convívio, quando há companheiros e ali se entretém a jogar dominó e a olhar de soslaio algum programa de televisão.
De França, ouve com atenção o que os companheiros lhe contam e dá o seu assentimento à ideia de um monumento aos emigrantes, ele que também foi emigrante no seu próprio país.
António Maria Salgueiro, abalou para França em 1966. Fixou-se na zona onde residem e trabalham a maioria dos nisenses em terras gaulesas, a vila de Azay-le-Rideau, na região de Indre et Loire, no centro de França. Emigrou pelas mesmas razões dos seus companheiros, tendo trabalhado na construção civil e numa fábrica de tijolo.
Reformado, 79 anos, divide a sua vida entre Portugal e França. 
“ A França deu-me a vida que tenho. Cá andava sempre com uma mão detrás e outra à frente. Tenho três filhos, dois estão em França e a minha filha está na Policia, em Lisboa. Gosto de vir a Nisa e encontrar-me com os meus “artilheiros”, passar um pouco de tempo no jardim, no centro de convívio ou a fazer qualquer coisa no campo. Quem se habituou ao trabalho nunca se desabitua. Em França para se ganhar e poupar alguma coisa tínhamos que trabalhar no duro. Não pensem que nos davam o salário e as condições de mão beijada. Não. Por isso, concordo com o que disseram sobre o monumento aos emigrantes e acho que já devia estar feito.
Os nisenses estão bem vistos e integrados em França, principalmente na região de Tours, onde moro. É justo que reconheçam o que nós fizemos pelo país”.
Jaime Cortesão em “Os Emigrantes” escreveu: “ Partir é quase morrer. / Pode ser p´ra nunca mais: / Dentro do peito a bater / Um sino toca a sinais".
Manuel Dinis (Comporta) deixa-nos um relato, em verso, do que foi a epopeia da emigração portuguesa clandestina para França. Um drama que ele próprio viveu e sentiu na pele. Em busca de um futuro melhor!
Mário Mendes in "Alto Alentejo"

A ida de um clandestino de Portugal para França – Anos 60
Abalei da minha terra
Sem dinheiro nem passaporte
Com destino para França
Sujeito a encontrar a morte

Foi de Nisa que parti
Com os olhos todos molhados
Deixando a minha mulher
Há pouco tempo casados.

A Castelo Branco cheguei
Para o passador encontrar
Daí tomámos o rumo
Para um rio atravessar.

Estivemos no meio de um mato
Uma noite e um dia
Cheio de frio e fome
Com a barriga vazia.

Chegámos a uma terra
Que se chamava Naves Frias
Aí estivemos fechados
Cinco noites e cinco dias.

Éramos catorze homens
Dentro deste palheirão
À espera que nos dessem
Um bocadinho de pão.

Daí seguimos viagem
Cansados mas sorridentes
De catorze já passámos
A ser mais de duzentos.

Quando foi à noitinha
Toda a gente se pôs de pé
Foi esta a maior etapa
Quarenta e quatro horas a pé.

Éramos só dois de Nisa
Tinha um bom companheiro
É um rapaz que se chama
O amigo José Salgueiro.

Ao fim de quarenta e quatro horas
Aí parámos então
Para descansar um pouco
À espera de um camião.

... Chegámos então a França
A um monte fomos parar
À espera do bilhete
Para o comboio apanhar.

Doze dias eu demorei
Para este país encontrar
Não desejo a ninguém
Este sacrifício passar.

Todos estes sofrimentos
Toda esta amargura
Para deixar o país
No tempo da Ditadura.

Só os ricos é que mandavam
Nós nem podíamos falar
Podemos “agradecer”
A um chamado Salazar.

É isto que me dá pena
É isto que me revolta
O autor destes versos
Chama-se, Manuel Comporta.

Sem dinheiro para a viagem
Para pagar ao passador
Foi a minha avó Pelota
Que me fez este favor.

Com isto vou terminar
Manuel Comporta me assino
Para que toda a gente saiba
O que foi um Clandestino!

Manuel Comporta - 6 Março de 1966