sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

80 ANOS DA “GREVE OU REVOLTA DO PÃO” ASSINALADOS EM NISA

O resgate da História e da Memória
Foi uma brilhante lição de História e ao mesmo tempo o resgate da Memória de um acontecimento que há 80 anos, encheu de dor e tristeza muitos lares na vila de Nisa.
No sábado, na sala da União de Freguesias de Nisa e perante numeroso público, foi recordado este episódio sangrento que o regime pretendeu ocultar e lembrados os nomes das pessoas que nele participaram, num movimento espontâneo pelo pão e pela justiça.
Alcides Pimentel, em nome da Associação Nisa Viva, organizadora do evento, recordou o papel que a associação vem desempenhando na promoção cultural, a nível do concelho, apesar dos fracos recursos financeiros e da falta de apoio e de reconhecimento por parte de algumas entidades. Aproveitou para esclarecer os motivos que levaram à interrupção da revista “Nisa Viva”, suspensa por ter expirado o período de registo, situação para a qual a diecção não fora avisada.


João Malpique, presidente da União de Freguesias, congratulou a organização da iniciativa, dizendo ser esta um bom exemplo da sociedade civil na promoção da História Local e mostrando a disponibilidade da autarquia em colaborar com todas as associações e cidadãos interessados na organização de eventos que promovam a cultura e o desenvolvimento da vila e do concelho.
Marco Oliveira, em nome da UGT – a CGTP, convidada, não pode estar presente -  agradeceu o convite e mostrou a sua surpresa perante este episódio ocorrido há 80 anos em Nisa e sobre o qual pouco ouvira falar. Enalteceu o espírito de luta dos participantes neste movimento espontâneo e destacou alguns aspectos da leitura que fizera sobre os acontecimentos que culminaram na prisão de cerca de 40 nisenses, entre os quais a “leva” de prisioneiros que atravessaram a cidade de Portalegre, a pé, rumo à estação ferroviária e daqui aos calabouços de Caxias. 
O professor António Ventura, começou por explicar o contexto político, social e económico dos primeiros anos da década de 40, principalmente até ao final da 2ª guerra mundial. Anos de fome e miséria, devido à economia de guerra, à falta de géneros alimentares e ao racionamento de bens essenciais, entre estes o pão, factores que aliados à carestia de vida e aos magros salários, provocaram o descontentamento generalizado da população, não só a das zonas rurais como também a de aglomerados industriais como Alhandra, Vila Franca de Xira, Barreiro e outros. “Poucas vezes na história – clarificou, “se conjugaram movimentos reivindicativos e de contestação, em zonas rurais e industriais”, acabando por explicar que a Revolta do Pão em Nisa não teve motivações políticas, enquanto movimento organizado e que muitas outras acções espontâneas aconteceram no país, com predominância no Alentejo e Ribatejo, enumerando e descrevendo algumas dessas acções. 

Mário Mendes explicou que esta iniciativa ganhara força após uma entrevista que fizera a um dos participantes na “Greve do Pão”, já falecido, Manuel do Rosário Carita, o “ti Bugio”. Tal como muitos nisenses apenas ouvira falar de alguns episódios deste dia que se tornou numa das páginas mais sangrentas da história recente de Nisa, e que foi sendo apagada ao longo de décadas. Os elementos que foi recolhendo deram-lhe a percepção de que algo muito grave tinha acontecido nesse dia 12 de Dezembro e nos dias e meses seguintes. 
Contou a história que lhe tinha sido transmitida pelo ti Bugio e apurou que da repressão exercida pela GNR, PSP e forças do exército, vindas de Portalegre, os tiros disparados sobre os manifestantes na Estrada de Alpalhão feriram algumas pessoas, alguns gravemente, como João Pires Louro, de 14 anos e a quem foi amputada uma perna, e Alfredo da Cruz Mourato “Galacho” que viria a falecer dois anos e meio mais tarde, após longo sofrimento.
Referiu, por último, a justeza desta evocação e homenagem pública, resgatando a história e a memória não só deste movimento, mas principalmente daqueles que nele participaram, exigindo o pão e a justiça,: Pessoas que foram tratadas como criminosos, presos, privados da liberdade e violentados nos seus direitos mais elementares e humanos. 
Maria Natália Sousa emprestou à Sessão Pública, os seus dotes de declamadora com dois poemas, o primeiro de Pablo Neruda "Ode ao Pão" e o segundo "Liberdade, querida e suspirada", de Manuel Maria Barbosa du Bocage, momentos  muito apreciados pela assistência.